Serve o presente blog para a coleção de pensamentos, reflexões, análises e resumos dos assuntos figurados no âmbito da avaliação da disciplina de Processos de Comunicação Digital, do doutoramento em Média-Arte Digital, da Universidade Aberta.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Transmédia


Entende-se por transmédia como o resultado de um conjunto de obras culturais dispostas por vários tipos de média diferentes, ligadas por uma linha condutora ou um universo que as contextualiza, fundamenta e relaciona. Ao mesmo tempo que a adoção de uma incursão transmediática em torno de uma narrativa constitui numa peça fundamental na criação de comunidade seguidora (os designados fãs); apresenta-se como uma ferramenta importante na rentabilização de investimentos de produção. Funcionando como centelha, uma determinada obra original, introduzida num determinado meio (livro, filme ou videojogo, por exemplo), ao suscitar um generalizado interesse público, transforma-se em filão comercial, passível de ser explorado através de outros média, formatos e explorando fatias de audiência mais alargadas.

Mais do que a simples noção de sequela ou adaptação (transcrição) da narrativa para outro meio, o transmédia baseia-se na expansão do horizonte criado inicialmente. Um dos melhores exemplos deste fenómeno, é Star Wars (“A Guerra das Estrelas”, de 1977), uma saga ficcional de fantasia cuja revelação se deu nas salas de cinema, e exemplo de narrativa rica cujo caudal de imaginação não se contém nas duas horas de filme. O espírito (universo), ao introduzir uma mitologia rica, imaginativa e credível, por força da transformação de espectadores em seguidores, acaba por transcender o meio de forma inevitável. Com o tempo, esta transcendência verifica-se ao não só ao nível da continuidade e canonicidade oficial (elaborado por diversos autores mas regulados pela entidade detentora dos direitos intelectuais e comerciais da marca) como se alarga a reinterpretações paralelas e em movimentos alimentados pela camada de fãs que perpetua e alarga esse mesmo universo.

A narrativa transmédia confere ao universo um nível de permeabilidade à própria inteligência coletiva. O público conduz a ampliação da base de conhecimento sobre esse mesmo domínio, não só influenciando as tendências assumidas pela via oficial, como produzindo conteúdo amador baseado no conceito original. Isto desagua no próprio conceito de viralidade, verificando-se uma disseminação e partilha de conteúdo relacionado pelas mais diversas vias de comunicação, potenciando o alargamento da camada de entusiastas que seguem, estudam e “vivem” esse mesmo universo. E uma maior adesão significa maior consumo e maiores receitas que serão, inevitavelmente, canalizadas para o cultivar dessa mesma máquina de cultura ficcional, através de produtos como brinquedos e merchandising, eventos e convenções, produções televisivas,  livros com histórias complementares ou videojogos que abordam a narrativa de uma outra forma, mas sem desviar daquilo que prendeu inicialmente o fã: o universo em que a narrativa original se enquadrava.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Cibercultura e Cultura de Convergência


A ideia latente no pensamento de André Lemos referente ao conceito de cibercultura, em muito se cruzam com a área de investigação e dissertação levada a cabo por Henry Jenkins. Ambas as aproximações gravitam em torno de fenómenos que caracterizam a sociedade atual e a sua relação/aproveitamento da tecnologia de consumo.

Lemos refere-se à socialidade (o ato de ser social) atual, como um produto de uma multiplicidade heterogénea de experiência quotidianas encapsuladas em fachadas que envolvem o indivíduo. Este, ao relacionar-se com o exterior, fá-lo desempenhando papéis de grande foco na aparência. O culto da personalidade, do seguimento de modas e da veneração de ídolos de carne e osso assim como de marcas, produtos ou histórias; são exemplos concretos daquilo que Jenkins designa como cultura de fãs.

É então nesta aparente superficialidade e de uma elevação da importância do momento presente em detrimento do momento futuro que se recupera um conceito há muito perdido por entre as várias gerações que culminaram na sociedade moderna: o tribalismo. E comparar uma tribo a uma agremiação de fãs (seja de que tema for) faz todo o sentido. Reunidos sob um determinado ideal, simples gosto pessoal ou tendência comportamental, os constituintes destas tribos servem-se das plataformas de comunicação digitais para se emanciparem.

As bases para este fenómeno nascem a partir da própria noção de cultura popular. Esta revela-se fruto do advento da democratização da informação com os massmedia, que com eles abriram portas a capacidade de mover multidões em direção aos recintos de espetáculo e a consumirem e seguirem a vida e o trabalho de outras figuras (então ditas públicas) com as quais cada individualidade se identifica. Contudo, a convergência desta postura social com a tecnologia cibernética, resultou nesse conceito de cibercultura, onde a intervenção e participação pública na construção dessa mesma cultura é uma realidade permanente (a dita cultura participativa enunciada por Jenkins).

É fácil perceber que esta questão denominada ‘tribo’ não foi introduzida por fatores institucionais nem orgânicos. Surgiu como uma necessidade de cada um se afirmar e de se nivelar perante um mundo cada vez mais competitivo no que concerne à captação de atenção por parte de outros. A possibilidade de ser importante (ou o parecer importante) aos olhos de terceiros, passou a fazer parte do quotidiano de qualquer personalidade anónima. Contornando a pressão de se coadjuvar com princípios morais ou fundamentais, o indivíduo passa a projetar o seu ser (embora refratado pela máscara que personifica o papel que desempenha) sob um pressuposto estético ou de aparência (como já referido anteriormente). Este fator é ampliado várias vezes se aplicado ao contexto do próprio ciberespaço e a sua permissibilidade do anónimo e permanente acesso à informação e a ferramentas de comunicação.

Verificamos aqui mais uma clara resposta da natureza humana a um dos principais flagelos da tecnologia apontados por Heidegger. A cibercultura, desdobrada nos três conceitos básicos da cultura de convergência apontados por Jenkins (a cultura participativa, a convergência mediática e a inteligência coletiva) é um claro exemplo de emancipação contra a casualidade restritiva e encapsuladora da tecnologia que inclusive sugeria um progressivo gelar das relações interpessoais. Através da cibernética, a sociedade fez aproximar os seus constituintes, conferindo-lhes o poder de intervir no rumo cultural da civilização que os rodeia e agregando-os por outros motivos que não a língua ou fronteiras políticas, mas pela sincronização das vontades e da forma de uso do livre arbítrio.

Referências:
JENKINS, Henry. Convergence Culture. Where old and new media collide. New 
York University Press, 2006.
LEMOS, André, Ciber-socialidade: tecnologia e vida social na cultura contemporânea, Logos Ano 4 Nº6, 1º Semestre, 1997, pp15-19