A ideia latente no pensamento de André Lemos referente ao
conceito de cibercultura, em muito se cruzam com a área de investigação e
dissertação levada a cabo por Henry Jenkins. Ambas as aproximações gravitam em
torno de fenómenos que caracterizam a sociedade atual e a sua
relação/aproveitamento da tecnologia de consumo.
Lemos refere-se à socialidade (o ato de ser social) atual,
como um produto de uma multiplicidade heterogénea de experiência quotidianas
encapsuladas em fachadas que envolvem o indivíduo. Este, ao relacionar-se com o
exterior, fá-lo desempenhando papéis de grande foco na aparência. O culto da
personalidade, do seguimento de modas e da veneração de ídolos de carne e osso
assim como de marcas, produtos ou histórias; são exemplos concretos daquilo que
Jenkins designa como cultura de fãs.
É então nesta aparente superficialidade e de uma elevação da
importância do momento presente em detrimento do momento futuro que se recupera
um conceito há muito perdido por entre as várias gerações que culminaram na
sociedade moderna: o tribalismo. E comparar uma tribo a uma agremiação de fãs
(seja de que tema for) faz todo o sentido. Reunidos sob um determinado ideal,
simples gosto pessoal ou tendência comportamental, os constituintes destas
tribos servem-se das plataformas de comunicação digitais para se emanciparem.
As bases para este fenómeno nascem a partir da própria noção
de cultura popular. Esta revela-se fruto do advento da democratização da informação com
os massmedia, que com eles abriram
portas a capacidade de mover multidões em direção aos recintos de espetáculo e
a consumirem e seguirem a vida e o trabalho de outras figuras (então ditas
públicas) com as quais cada individualidade se identifica. Contudo, a
convergência desta postura social com a tecnologia cibernética, resultou nesse
conceito de cibercultura, onde a intervenção e participação pública na
construção dessa mesma cultura é uma realidade permanente (a dita cultura
participativa enunciada por Jenkins).
É fácil perceber que esta questão denominada ‘tribo’ não foi
introduzida por fatores institucionais nem orgânicos. Surgiu como uma
necessidade de cada um se afirmar e de se nivelar perante um mundo cada vez
mais competitivo no que concerne à captação de atenção por parte de outros. A
possibilidade de ser importante (ou o parecer importante) aos olhos de
terceiros, passou a fazer parte do quotidiano de qualquer personalidade
anónima. Contornando a pressão de se coadjuvar com princípios morais ou
fundamentais, o indivíduo passa a projetar o seu ser (embora refratado pela
máscara que personifica o papel que desempenha) sob um pressuposto estético ou
de aparência (como já referido anteriormente). Este fator é ampliado várias
vezes se aplicado ao contexto do próprio ciberespaço e a sua permissibilidade
do anónimo e permanente acesso à informação e a ferramentas de comunicação.
Verificamos aqui mais uma clara resposta da natureza humana
a um dos principais flagelos da tecnologia apontados por Heidegger. A
cibercultura, desdobrada nos três conceitos básicos da cultura de convergência
apontados por Jenkins (a cultura participativa, a convergência mediática e a
inteligência coletiva) é um claro exemplo de emancipação contra a casualidade
restritiva e encapsuladora da tecnologia que inclusive sugeria um progressivo
gelar das relações interpessoais. Através da cibernética, a sociedade fez
aproximar os seus constituintes, conferindo-lhes o poder de intervir no rumo
cultural da civilização que os rodeia e agregando-os por outros motivos que não
a língua ou fronteiras políticas, mas pela sincronização das vontades e da
forma de uso do livre arbítrio.
Referências:
JENKINS, Henry. Convergence Culture. Where old and new media collide. New
York University Press, 2006.
LEMOS, André, Ciber-socialidade: tecnologia e vida social na cultura contemporânea, Logos Ano 4 Nº6, 1º Semestre, 1997, pp15-19
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