Serve o presente blog para a coleção de pensamentos, reflexões, análises e resumos dos assuntos figurados no âmbito da avaliação da disciplina de Processos de Comunicação Digital, do doutoramento em Média-Arte Digital, da Universidade Aberta.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A reprodutibilidade da obra de arte e a cultura popular

Em "A obra de arte na era da sua reprodutiblidade técnica", Walter Benjamin procura analisar e caracterizar a chamada cultura de massas (ou cultura popular) no contexto do processo de produção artístico e da evolução da técnica.

O autor inicia a sua aproximação com a problemática da reprodução de uma obra de arte como uma fonte de desvirtuação da sua própria autenticidade, independentemente se o ato de cópia é feito por via manual ou mecânica. Para o Benjamin, a obra de arte original assume sempre o "aqui e agora" (hic et nunc). Esta propriedade pode ser explicada, traçando um paralelismo com cada individualidade humana: nenhum de nós pode estar em múltiplos sítios diferentes ou eras temporais diferentes. Se tal se verificasse, a singularidade e autenticidade da pessoa (e neste caso, da obra) terá de ser posta em causa.

Uma reprodução separa-se do verdadeiro valor da obra pois ao contrário do original, a cópia não tem (à partida) um ponto de origem único, um testemunho relevante ou um peso na tradição. A cópia assenta o seu valor essencialmente na materialidade. E tal como a alma está para o ser humano, segundo o autor, a obra de arte incorpora uma aura, ligada ao conceito de existência única e que lhe dá o verdadeiro valor para além da matéria de que é feito.

O culto e aceitação por esta assumida desvalorização da aura nestes artefactos culturais, está em parte diretamente relacionado com o advento da cultura de massas. Estas exigem acesso à cultura e, por consequência, desejam para si a posse imediata de um pedaço desta unicidade. Mesmo que para isso, paguem o preço de uma aura murcha e enfraquecida pela própria reprodução.

Por outro lado, e recuando um pouco mais na história, há que considerar a dimensão política da criação artística. Recorrendo a esta ideia de prática política, o valor ritual, ligado ao propósito da obra em si e à sua função, desdobra-se noutro tipo de valor: o de exposição. A obra de arte ganha a forma de comunicação para com as massas (servindo até como ferramenta de propaganda), servindo determinados propósitos e interesses. Neste sentido, até fatores como a portabilidade e facilidade de reprodução da obra têm de ser equacionados (por exemplo, um quadro é mais susceptível de se tornar acessível do que um fresco pois é portátil e pode deslocar-se até às pessoas).

Walter Benjamin traça também uma relação entre valor e o grau de definitivo que o próprio processo de criação da obra impõe. Segundo o exemplo do autor, os gregos, dado ao nível técnico em que se viam envolvidos, estavam condicionados a produzir obras de caráter único e de valor mais duradouro do que, um realizador de cinema dos tempos modernos alguma vez poderá atingir. O escultor clássico teria de criar a sua obra a partir de um bloco sólido de mármore, sendo que cada ato de desbaste na pedra é definitivo - não tem margem de manobra para experiências. Já o realizador, de um conjunto muito alargado de sequências de imagens, pode fazer, desfazer e modificar a sua obra até atingir o ponto de perfeição desejado. Para Benjamin, este factor influencia diretamente o valor da arte em si e da peça propriamente dita e ao seu "índice de eternidade".

A poder de manipulação é associada a ideia de que a aura que a tradicional obra de arte possui  é desvirtuada com a introdução de aparelhos (máquinas) no processo de criação. Enquanto que no teatro, a narrativa pré-concebida é dotada de aura pela própria performance humana, no cinema este aspeto desaparece pois não existe o conceito de ato definitivo devido ao processo de escolha, montagem, sequenciação e até manipulação das imagens capturadas. Esta mealeabilidade dos elementos de construção da obra, contrastam com a irreversível decisão do ator em palco e com a irreparável punção do escultor na rocha virgem.

O filósofo alemão faz então caminhar, através de uma análise comparativa entre fotografia e pintura, questionando a elevação ao estatuto de 'arte' da primeira, e posteriormente de uma reflexão sobre o cinema; para uma ideia de que os novos processos ditos artísticos são um convite ao vulgar. Por consequência, este alegado abandono dos verdadeiros valores da arte clássica, fazem aproximar-se de um público que, por sua vez, vai vendo o seu nível cultural a aumentar. Esta ampliação do conceito de arte colabora para a tendência da aproximação da arte do público em geral.

Esta degradação da qualidade da arte e a leviandade com que esta é criada, aliada à procura levada a cabo pelas próprias massas, conduz ao conceito de "arte de consumo". O artista passa a colocar acima (ou a par) do seu processo criativo, as exigências do seu público, dando-lhes aquilo que eles querem sentir e presenciar. O público cada vez mais participa ativamente no processo de produção artístico, pois a sua opinião e desejos traduz-se em consumo, e o consumo traduz-se em dinheiro.

A pop culture (cultura popular) assume-se então como uma indústria de produção de obras para consumo e onde o propósito é a distração das massas - não diferente dos jogos de sangue organizados pelos romanos para o seu povo que encontravam nestas atividades, uma fuga (mesmo que temporária) da sua árdua vida característica de um baixo estrato social. E aproveitando o paralelismo, também nos tempos modernos, aplica-se também o culto da personalidade. A estrela, assume cada vez mais o papel de um modelo onírico a seguir pelos demais, numa demanda impossível pela perfeição do indivíduo. Mas com uma agravante: o gladiador, outrora ator num palco de decisões definitivas, é hoje o ator/músico que faz uso das ferramentas e aparelhos (tal realizador de cinema) no sentido de elevar a sua personalidade a um nível de perfeição eterna inatingível e que faz sonhar os restantes e passivos "meros mortais".

Mas não obstante desta manifestação do comercial, do fútil e do degenerativo; o autor alude para um lado mais positivo. Em primeiro, Benjamin assume que a arte não é algo imutável - que durante os tempos se veio a adaptar às tendências e isso é algo que deve ser considerado natural. Umas formas de arte ascendem e desaparecem, outras transformam-se. A procura pela cultura de distração, pode trazer benefícios associados. Pois a arte, para além da distração que proporciona, revela-se numa ferramenta produtiva - inspira, cultiva e resolve. E esta intervenção das massas na produção artística, poderá consistir em parte para a resolução dos problemas impostos pela própria técnica, simbolizados pelo advento da mecanização.

A cultura popular faz uso da industrialização, mas assume-se como uma potencial ferramenta para dotar os seus seguidores em críticos e resolutores dos dilemas causados pela insaciável máquina da ciência e da evolução tecnológica. Esta conclusão vai ao encontro de Eidegger, onde a arte surge como a chave para desbloquear esta prisão de ciclo tecnológico e consumidor de recursos em que o homem se inseriu deste da revolução industrial.

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