Serve o presente blog para a coleção de pensamentos, reflexões, análises e resumos dos assuntos figurados no âmbito da avaliação da disciplina de Processos de Comunicação Digital, do doutoramento em Média-Arte Digital, da Universidade Aberta.

sábado, 10 de novembro de 2012

Heidegger e a Tecnologia


Heidegger, no seu ensaio, desafia questionar uma ideia difundida na opinião generalizada, consistindo esta, no pressuposto em que a tecnologia em si resume-se apenas a um processo de comportamento humano de instrumentalização do mundo que o rodeia.

O autor caminha no sentido de classificar a técnica (tecnologia) como uma forma de desocultamento/desvelamento (retirar do oculto) de uma verdade escondida, mas que por sua vez nunca assume o papel de verdade absoluta. Desta verdade eclodem novas possibilidades de desvelamento, novas fronteiras a atingir, como se tratasse de um ciclo sem fim de causas e efeitos.

Este processo, motivado em primeiro lugar pela própria curiosidade inata, e em segundo pelos benefícios que o ser humano pode extrair dela, caracteriza-se pelo ritmo acelerado que leva e pelas constrições socio-económicas que gradualmente vai ganhando. De forma relevante, vai também moldando o próprio Ser nessa procura, especialmente na suplantação das causas e efeitos que a Natureza impõe e que definem e restringem a humanidade e seu comportamento desde o seu início.

É defendido por Heidegger que a essência da liberdade humana não está relacionada com o livre arbítrio mas sim com a acesso e a possibilidade de descobrir a verdade, superando os desafios auto-propostos. Mas também deixa o alerta: esta sucessão de desafios e descobrimentos conduz a uma dependência constante entre os passos de evolução da tecnologia, obrigando o Homem a dar um passo em frente em relação ao aproveitamento daquilo que a natureza lhe pode dar, criando um padrão metodológico que permita subir a fasquia na procura pela verdade. Heidegger chama a essa metodologia de composição: Ge-stell.

Ge-stell é a forma como o ser humano moderno e industralizado olha para a natureza, contabilizando-a em suprimentos e recursos. Tudo à sua volta é armazenável e acumulável, de forma a que o ato de combinação e transformação (ou gasto, diga-se também) possa ser feito com uma intensidade definida pelo próprio homem e não ao sabor da própria "vontade" da Natureza. Este hábito contribui, inevitavelmente, para o reforço dos traços materialistas do Homem e para a destruição da Natureza em si. E dado que conhecimento é sinónimo de poder, e o conhecimento consegue-se através do consumo acelerado destes bens naturais reservados, ter também é poder.

Heidegger considera que a tecnologia pode ser um problema para a evolução Humana, dado que o momento pautado pelo acelerado ciclo de extração, transformação, armazenamento e distribuição; consiste no verdadeiro perigo da inevitável formatação da visão do Homem, que julgando-se este como o domador do seu destino, nada mais é do que uma simples engrenagem de uma máquina em piloto-automático. A solução pode passar pela mudança de perspetiva, de romper com a Ge-stell e de fazer o Homem libertar-se desta forte corrente de inexorabilidade e que, segundo o autor, exumará o Homem da sua essência, mecanizando-o e transformando-o e mais uma forma de recurso armazenável e de fado definido.

A resposta ao problema poderá passar pela arte, que por sua vez, outrora, partilhou o mesmo propósito que a própria tecnologia - e não apenas o da manifestação estética. E ao contrário da tecnologia/técnica (technik), a arte (poiesis) não se configura num sistema auto-regulado e daí permite uma visão mais ampla e fora desse sistema. Heidegger parece encontrar na arte a resposta para um reequilibrar de todo o processo de revelação da verdade, impedindo o homem de inadvertidamente se tornar ele próprio num triste e inevitável consumível.

____________________
Referências
HEIDEGGER, M. (2002), "Ensaios e Conferências" (tradução de LEÃO, Emmanuel Carneiro, FOGEL, Gilvan, SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante), Editora Vozes, Petrópolis, p.11-38

Nota do autor do artigo: Seguiu-se uma breve análise em vertente reflexiva acerca do texto "A Questão da Técnica" por Martin Heidegger. Não tendo, pessoalmente, um fundo de conhecimento alargado sobre arte ou filosofia, e assumindo a existência de um profundo hiato entre o agora e o último momento em que abordei temas desta natureza, fiz aqui uma abordagem pragmática da tarefa que me foi incumbida. Assumindo esta falta de prática mas não falta de interesse, e sem menosprezar as restantes, procurei traduzir por palavras minhas as mensagens, na minha opinião, mais relevantes.

Sem comentários:

Enviar um comentário